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A vida com máscara e sem beijos...



O medo de um mal que, no final de 2019. nem tinha nome... 

Marc Bassets

Em plena transformação e diante de uma crise econômica e política, o mundo atinge o número simbólico sem perspectivas de um final próximo da pandemia do novo coronavírus, mas com novas defesas, diante da segunda onda, e com esperança nas primeiras vacinas contra a covid-19

O mundo de ontem parece cada vez mais remoto —um continente exótico, quase outro século—, mas o novo nunca chegou e ninguém ainda o vislumbra.

Quando em 11 de janeiro surgiu a notícia da primeira morte como resultado de um misterioso vírus detectado algumas semanas antes na cidade chinesa de Wuhan, nem mesmo o mais lúcido dos visionários poderia ter adivinhado o que estava por vir. Ninguém imaginava que, atrás daquele homem de 61 anos, se acumulariam mais 999.999 cadáveres por covid-19 e que o excepcional —a vida com máscara e sem beijos, o teletrabalho, a hipótese de voltar a se fechar em casa, o medo de um mal que no final de 2019 nem tinha nome— se tornaria rotina.

Nove meses depois, o mundo está a ultrapassar a marca de um milhão de mortes muito mais bem armado do que então, para atenuar o impacto letal da doença e com avanços na obtenção da vacina. No entanto, o número de infectados desde o início da pandemia ultrapassa os 32 milhões. E países que acreditavam ter controlado mais ou menos a epidemia e reduzido, ao mínimo, as mortes enfrentam o temor de uma segunda onda que pode saturar, de novo, os hospitais e levar a um novo confinamento da população, depois daquele do último inverno.

“Não estamos prestes a derrotar o vírus. Teremos de conviver com ele e desaparecerá gradualmente com as vacinas e a imunidade de grupo. Não haverá corte seco que solucionará tudo” - diz, desde Massachusetts, o ensaísta e especialista em geopolíticaRobert D. Kaplane “Não haverá desfile da vitória”.

Um milhão é um número arbitrário que, isolado, significa muito pouco —"uma morte é uma tragédia, um milhão é uma estatística", diz a frase apócrifa atribuída ao tirano soviético Josef Stalin—, mas é um número que nos permite avaliar como a humanidade chegou a este ponto, o que mudou nestes meses não só na frente sanitária, mas também na política internacional e na economia.

“Comparo esta pandemia com o Bolero de Maurice Ravel. A música é repetitiva. Os instrumentos vão entrando pouco a pouco na partitura”, diz o epidemiologista Antoine Flahault, diretor do Instituto de Saúde Global da Universidade de Genebra, na Suíça. Foi assim na pandemia de SARS-Cov-2, o vírus que causa a doença covid-19. Primeiro foi a China. Depois, Coreia e Irã. Em seguida, Itália e Espanha. E as Américas do Norte e do Sul, e a Índia. E assim por diante, até cobrir quase todo o planeta, como o crescendo da peça do compositor francês.

.Flahault, que mantém uma contagem diária do estado da pandemia no mundo, revê o horizonte atual. De áreas “pouco ativas”, como China, Japão, Vietnã ou Tailândia na Ásia, ou Austrália e África do Sul, à América Latina, que “enfrenta uma catástrofe sanitária sem precedentes”, e partes dos EUA onde o vírus “não está absolutamente sob controle”. 

No meio, a Europa Ocidental, que no verão [no hemisfério norte] “viveu uma situação paradoxal, com aumento de casos, mas não de mortes nem de formas graves da doença”. “Agora, na Espanha e na França começamos a ver formas graves cada vez mais numerosas que preocupam porque são muito semelhantes ao início de uma segunda onda”, constata o epidemiologista de Genebra. “Não se pode descartar que, se a segunda onda atingir a Europa, os sistemas sanitários estarão sob tal pressão e que, para evitar sua implosão, seremos obrigados a novos confinamentos”.

Os números se tornaram uma arma política e uma bandeira. A China, com três mortos por milhão de habitantes, a Coreia do Sul com oito e a Alemanha com 114, se saíram melhor nesses nove meses de pandemia do que a França (486), os Estados Unidos (629) e a Espanha (668). “Não acredito que se possa dizer que os países autoritários se saíram melhor do que as democracias. A Ásia administrou isso bem, seja uma democracia como Taiwan ou uma autocracia como a China continental”, disse Kaplan. “O que vimos não foi democracias versus autocracias, mas administração inteligente versus administração estúpida".

A segunda globalização

O vírus estabelece “uma pausa” entre o que  chama de duas fases da globalização. A primeira, que começou com o fim da Guerra Fria no início dos anos noventa, foi uma globalização democratizante e globalizadora. A segunda, que já havia começado antes da pandemia, mas que esta acelerou, é uma globalização marcada pela pujança das autocracias e das rivalidades entre potências.

 O confinamento interrompeu as cadeias de abastecimento que eram o centro nevrálgico do comércio mundial e pôs fim às viagens internacionais. A escassez de produtos que da noite para o dia se tornaram de primeira necessidade, como as máscaras, levou muitos países a promover sua produção nacional para não depender tanto da China. A rápida disseminação do vírus pelo planeta facilitou a designação de um culpado: a globalização. A realidade é mais complicada.

O RISCO SÃO AS TENSÕES GEOPOLÍTICAS, PROTECIONISTAS. FOI O QUE ACONTECEU EM 1929

ISABELLE MÉJEAN, ECONOMISTA

“A ideia de uma desglobalização provocada pelo coronavírus... Posso estar enganada, mas não tenho a impressão de que seja isso o que está acontecendo”, explica a economista Isabelle Méjean, professora da Escola Politécnica da Universidade Paris-Saclay. E lembra que, embora o transporte de pessoas tenha parado, o comércio internacional de mercadorias continuou funcionando. “O risco”, prossegue Méjean, “são as tensões geopolíticas, protecionistas. Foi o que aconteceu em 1929. Quando há crises econômicas, surge um reflexo soberanista, de recuo, que pode dar lugar a tensões protecionistas que seriam bastante onerosas do ponto de vista do crescimento”.

A referência de 1929 —e o que veio depois pelos erros do poder político e monetário— está na boca de muitos políticos e especialistas.

“Nos anos trinta, depois da crise de 29, a Europa fez exatamente o contrário. Tivemos políticas monetárias duras e políticas orçamentárias restritivas durante um tempo. Levam ao caos social e político”.

Hoje, a angústia com a crise econômica —nunca tantos países estiveram em recessão ao mesmo tempo desde 1870, de acordo com o relatório mais recente da Fundação Gates; 37 milhões de pessoas caíram na pobreza extrema— ocupa mais espaço na mente dos cidadãos e dos políticos. E a crise sanitária ainda está longe de ser resolvida. “Se uma segunda onda vier, durante nossa temporada de frio [no hemisfério norte], entre o outono e a próxima primavera, esta parecerá muito longa para nós, mas no final, talvez, esteja o fim do túnel”, diz o professor Flahault. “Talvez tenhamos alcançado a imunidade em vários segmentos da população que nos protegerá de outra nova onda. E podemos esperar que, até lá, tenhamos uma vacina que protegerá os idosos, os profissionais de saúde e as crianças que ainda não tiverem sido afetados”. 

O inverno será longo.

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Marc Bassets é jornalista do Jornal El País

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