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Os Amigos de Caminhada!

Maria das dores alheias


Maria das dores alheias
Mariliz Pereira Jorge

Eu aprendi com o tempo a lidar mais ou menos com as dores. Mais ou menos. A gente não aprende esse tipo de coisa por completo, nunca. Só deixa de sofrer quem morreu. De morte morrida ou para a vida. Continuo repetindo um rosário de penitências autoimpostas. Buracos no estômago, que evoluem para gastrites sentimentais, noites viradas do avesso, travesseiros sufocados, um olhar perdido no vazio à procura de respostas, um choro que desidrata a alma.

Já poderia ser Masterchef em superar tristezas, mas, sempre que passo por uma nova, sinto-me uma principiante queimando miojo. A gente aprende um pouco porque a maioria das pessoas sofre as dores que todo mundo sofre. Somos previsíveis. Muitas lágrimas depois, muitas garrafas vazias depois, muita terapia depois, muito ansiolítico depois, muitos anos depois entendemos ao menos uma coisa: o sofrimento é essa coisa marota, que nos pega distraídos e não larga nosso pé por um bom tempo.

A diferença de quando eu tinha 20 anos para agora é que desenvolvi um protocolo para aliviar dores e decepções. Em pouco tempo passo por vários estágios do sofrimento. Negação, raiva, depressão, quando morro de pena de mim mesma até que nossa convivência (meu eu racional e meu eu sofredora) se torna insuportável e eu resolvo jogar uma cordinha para que alguém me tire lá do fundo do poço. Em geral, em um mês estou pronta para mais. Porque sempre tem mais. A vida é uma sucessão de tombos numa corrida com obstáculos.

Tem um tipo de dor, no entanto, com a qual não aprendo a lidar. A dor dos outros. A dor de gente querida. É o sofrimento mais doído. Dói na gente mesmo que a gente não saiba onde, nem de que jeito, nem de que tanto. Quero arrancar aquela dor, falar a palavra certa, quero que meu abraço conforte, quero tomar as dores do outro para que alivie, passe mais rápido, que não doa tanto.

O choro do outro me desfaz, me deixa impotente. Quero dar amor, emprestar um pouco de fôlego, dar todas as minhas forças. Enquanto isso o outro se despedaça pelas dores que já senti, mas que doem mais ainda quando não sou eu quem sente.

Me entristece ver histórias de amor com fim, sonhos roubados, planos interrompidos, perdas irreparáveis, expectativas frustradas. A dor alheia me dói duas vezes. Pela incapacidade da ajuda imediata. Não adianta dizer que vai passar, que a vida é assim, que foi melhor dessa forma, que amanhã é um novo dia, que é melhor dormir, que tem que comer, que um banho vai ajudar, que seria bom deixar um pouco de sol entrar, que um passeio pode fazer bem.

A dor tem seu tempo de convalescença. Não convém apressar sua melhora. Apenas quero ter certeza de estar perto na hora em que a pessoa jogue sua própria cordinha e eu tenha forças para puxá-la. E que ela acredite quando eu disser que tudo vai ficar bem.

Mariliz Pereira Jorge é  jornalista e roteirista. 

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