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A Assembleia Geral da ONU de 2020 – Ecos dos principais discursos



A Assembleia Geral da ONU de 2020 – Ecos dos principais discursos

28 de setembro de 2020

Secretário-geral da ONU pede acordo global contra desigualdades

O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) António Guterres pediu  no discurso de inauguração da 75ª Assembleia Geral por um cessar-fogo global até o final de 2020. Em um salão praticamente vazio, com apenas 10% dos mais de 2 mil assentos ocupados, Guterres foi enfático ao dizer que ainda há “desafios por vir” e que, em um mundo interconectado, “solidariedade é interesse em si mesmo”.

Sociólogo Lejeune Mirhan diz que a "governança global" sugerida por Rússia e China na ONU não tem, "na atual conjuntura, nenhuma possibilidade de ser construída, como provou o 'salve-se quem puder'" nesta pandemia. 

No último dia 22 de setembro, iniciaram-se os trabalhos da 75ª Assembleia Geral das Nações Unidas. Acompanho esses trabalhos há muitas décadas e os posicionamentos dos principais chefes de estado têm grande repercussão não só na mídia em geral, mas no dia-a-dia da vida da maioria dos países membros (hoje 193). Pretendo, neste artigo, falar de um breve histórico da Organização, comentar a fala do Secretário Geral e resumir os discursos dos chefes das três potências – EUA, China e Rússia 

A ONU que conhecemos hoje – ela é mais conhecida como Nações Unidas – foi organizada em 25 de abril de 1945, onde 50 chefes de estado e de governo, reunidos em São Francisco, Califórnia, EUA, decidiram constituir essa instituição. A sua formalização e aprovação da Carta das Nações Unidas é de 24 de outubro do mesmo ano, com 51 representantes de governos. 

Não se sabe ao certo o número exato de países existentes no mundo na atualidade. São controversos o número final de nações, em função de algumas que se reivindicam como tal serem possessões e dependem de outra nação. De qualquer forma, na ONU temos 193 estados membros com plenos poderes e mais dois considerados estados-observadores, como o Vaticano e a Palestina. Mas, o Comitê Olímpico Internacional – COI, reconhece 206 e a FIFA, do futebol, reconhece 211. Assim, pode-se dizer que existiriam até 18 organizações populacionais que se reivindicam países[1].

A ONU da atualidade – já uma instituição madura de 75 anos de história e de vida – é sucedânea da antiga Liga das Nações (ou Sociedade das Nações), instituição organizada após a I Guerra Mundial e constituída em 28 de abril de 1919 em Paris, mas que passou a ter seu funcionamento efetivo após a assinatura do polêmico Tratado de Versalhes, em 28 de junho de 1919, como parte I desse Tratado, assinado por 44 países.

Seu grande idealizador foi Woodrow Wilson, então presidente dos EUA, ainda que este país não tenha referendado o Tratado em si por discordar de seu conteúdo. A Liga só começou a funcionar operacionalmente falando, a partir de 10 de janeiro de 1920.

Na estrutura geral da Organização, a Assembleia Geral, onde cada país tem um voto – e, portanto, o voto da ilha de Malta tem o mesmo peso que o da China – de fato, não tem grandes poderes. Suas votações são mais indicativas, ainda que muitos dos seus conteúdos sejam políticos e sirvam para sustentarem bandeiras sobre diversos temas. Exemplo disso são as sistemáticas decisões da AG contra o bloqueio de Cuba e exigência que Israel desocupe os territórios palestinos, mas sem nenhuma eficácia prática.

Quem tem poder mesmo nas Nações Unidas é o seu Conselho de Segurança, composto por 15 países-membros, sendo 10 rotativos e cinco permanentes, estes com poder de vetar decisões. São eles: China, Rússia, EUA, França e Inglaterra. Todas as suas decisões são tomadas por maioria de nove votos. No entanto, uma resolução pode ter tido 14 votos a favor e um contra, mas se esse voto contra for um dos países com direito de veto, a resolução está derrogada. 

Pretendo resumir os principais trechos dos discursos – que ouvi atentamente, claro – dos líderes das três principais potências na Terra – Xi Jinping, Vladimir Putin e Donald Trump, além do Secretário Geral, António Guterrez (português), bem como do que se apresenta como nosso presidente, o pior discurso de um presidente brasileiro na história e de menor tempo (na verdade, ele não tem o que falar mesmo). 

Evidente que escrevo (com minhas palavras) a minha interpretação pessoal dos trechos que considerei mais importante de todos os discursos. A ordem que decidi publicar é a seguinte: China, Rússia e Estados Unidos. 

O secretário-geral da ONU abriu os discursos proferindo um discurso bastante pessimista e resumiu em quatro pontos os grandes problemas do mundo na atualidade, segundo seu ponto de vista: 

1. Nunca o mundo viveu uma tensão política tão grande depois da II Guerra Mundial;

2. Nunca vivemos uma crise ambiental tão devastadora como a atual;

3. Chamou de “nefasta” a rede mundial de computadores (Internet) sem nenhuma regulação;

4. Disse que nunca houve tanta desconfiança global como agora, ou seja, ninguém confia em ninguém.

Apesar de seu imenso pessimismo, teceu críticas ao que ele chamou de populismo e ao nacionalismo protecionistas. Finalizou esperançoso de um equacionamento dos maiores problemas, da busca da paz e da harmonia entre as nações.

Os principais trechos do discurso do líder chinês Xi Jinping

· Boa parte de seu tempo de discurso foi dedicado à pandemia e o que a China tem feito para combatê-la, bem como apresentou propostas para o mundo;

· Enalteceu, tal qual Putin, os profissionais da saúde, que atuaram e atuam ainda no combate à pandemia em todo o mundo e realçou a necessidade da cooperação internacional para se vencer o vírus;

· Disse que a resposta à pandemia só pode vir da ciência, com ampliação da solidariedade e no apoio à OMS em um esforço internacional de todas as nações; 

· Rejeitou qualquer ação que venha a politizar a pandemia e o vírus (como os negacionistas como Trump e Bolsonaro têm feito); 

· As vacinas chinesas – que estão na última fase de testes – serão oferecidas gratuitamente ao mundo e a todos os países que a queiram utilizar, como patrimônio da humanidade, em especial aos países em desenvolvimento;

· Defendeu a independência e a soberania nacional de todos os países (por incrível que pareça, essa foi a principal resolução do Tratado de Westfália de 1648);

· Disse que a globalização é uma tendência histórica irreversível e defendeu o multilateralismo em oposição ao protecionismo e ao bilateralismo (defendidos pelo Brasil e EUA);

· Comparou a terra como uma Vila Mundial, onde todos os países estão conectados e têm um futuro em comum;

· Disse que a diversidade do mundo deve ser uma inspiração para todos;

· Defendeu um equilíbrio entre os governos e os mercados;

· Enfatizou que todos os acordos mundiais devem ser multilaterais;

· Defendeu o que chamou de “desenvolvimento verde” e sustentável, que preserve a mãe natureza;

· A Covid-19 mostrou que temos que apontar para uma governança global (tal qual Putin defendeu, rejeitada por Trump e Bolsonaro), com o fortalecimento do multilateralismo;

· A ONU tem que ser o centro de tudo;

· Defendeu a igualdade de direitos entre todos os países;

· Enfatizou que todos os países membros da ONU devem respeitar as leis e o direito internacional;

· Apontou a proposta de erradicação da pobreza completa na Terra até 2030;

· Disse que a China está comprometida com o desenvolvimento e a cooperação pacífica entre todas as nações;

· Disse que a China jamais buscará uma luta do tipo “guerra fria” ou “guerra quente”, defendendo o diálogo e a diplomacia para a resolução dos conflitos entre nações; 

· Disse que a China quer criar um novo paradigma de desenvolvimento;

· A China sempre defenderá a paz mundial e uma ordem mundial baseada nas leis internacionais;

· Chamou a unidade dos povos para garantir os valores da igualdade, justiça, liberdade e democracia;

· Juntos poderemos fazer um mundo um lugar melhor para todos.

Principais trechos do discurso de Donald Trump, dos EUA

· De forma clara e nenhum pouco ambígua, o tom de seus poucos mais de sete minutos mostra que a China é o inimigo número um dos Estados Unidos;

· Menciona o termo inimigo para se referir ao vírus “chinês”;

· Enalteceu a forma com que combateu a pandemia nos EUA, sem mencionar, claro, os dados alarmantes do número de contágios e mortos em seu país (o primeiro lugar no tétrico ranking mundial);

· Em momento algum menciona o fortalecimento da OMS. Pelo contrário, acusa esse organismo da ONU – multilateral – como sendo um “aparelho chinês” (sic);

· Procura responsabilizar diretamente a China pela pandemia;

· Enaltece ter gasto em seus quatro anos de governo, US$2,5 trilhões de dólares (13,75 trilhões de reais, um PIB brasileiro) em armamentos para equipar o que ele chamou de “maior exército e força armada que a humanidade já conheceu”;

· Acusa a China de cometer abuso comercial;

· Mostra como sendo seu grande trunfo os acordos de reconhecimento de Israel dos países árabes, Emirado e Bahrein;

· Ataca o tempo todo o multilateralismo, defendendo acordos bilaterais.

Se pudéssemos resumir em uma frase o significado e a essência do seu discurso, diria que o centro é a completa deslegitimação da ONU.

Os principais trechos do discurso do líder russo Vladimir Putin

· Defendeu de forma enfática soluções políticas para todas as disputas em curso na atualidade;

· Realça a imensa importância que tem a ONU, em especial como garantidora da paz no mundo;

· Volta a mencionar a necessidade da reforma do CS da ONU;

· Colocou a ONU como o centro de tudo, a base para uma futura governança global;

· Disse que só a ONU poderia evitar grandes confrontos entre grandes nações como foram as duas grandes guerras que a humanidade presenciou;

· Disse que só teremos sucesso na luta global contra a pandemia e outros males e catástrofes que virão, se houver uma união das principais nações da terra; 

· Realçou a ONU como instrumento de combate ao terrorismo e ao narcotráfico;

· Mencionou a responsabilidade da ONU em garantir a privacidade e a liberdades das pessoas;

· Defendeu a regulação da tecnologia de Inteligência Artificial para a garantia da segurança individual das pessoas;

· Elogiou todos os médicos e profissionais da saúde em todo o mundo que atuaram para combater e debelar a epidemia em todos os lugares da terra;

· Disse que a estrutura da ONU deve priorizar a ajuda para os estados e nações mais vulneráveis;

· Defendeu o fortalecimento da OMS e propôs a realização de uma Conferência Internacional sobre as vacinas e sua distribuição para todo o mundo;

· Mencionou o registro de sua vacina, chamada Sputnik, colocando-a inclusive como patrimônio da humanidade e oferecendo-a gratuitamente para todos que quiserem;

· Defendeu o total controle de armas com a total proibição de armas nucleares, químicas e bacteriológicas;

· Defendeu a proibição de que o espaço seja usado como local da corrida armamentista; 

· Defendeu o fortalecimento do direito internacional.

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Lejeune Mirhan - Sociólogo, Professor , Escritor e Analista Internacional. Foi professor de Sociologia e Métodos e Técnicas de Pesquisa da UNIMEP e presidente da Federação Nacional dos Sociólogos – Brasil

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