CRIANÇA INTERIOR
Por Silvio Farranha Filho
Enquanto a criança cresce, o lado de sua personalidade na esfera emocional também se desenvolve.
Na casa dos pais, a criança não sabe quanto custa a luz que utiliza, o preço das roupas que veste. Ela não sabe que mágica é feita quando deixa o copo que sujou sobre a pia e ele aparece lavado, enxugado e guardado no armário de onde tirou. A criança consome, usufrui, desfruta, se beneficia. Não tem nenhum compromisso com a casa, é sempre servida, tudo lhe está disponível.
Até os seis anos de idade, a criança está junto da mãe, está na polaridade feminina e uma das características do universo feminino é a receptividade, a comunhão e a passividade. Assim a criança psicológica também aprende a desfrutar, a ser servida, não se compromete, não mantém vínculos, somente recebendo, sempre no "me dá!", é eximia cobradora, pede amor, abrigo, proteção, espiritualidade e segurança.
Da mesma forma que a criança se comporta em casa, a criança interior se expressa nos demais contextos. Uma pessoa adulta tendo esta criança interna mal-resolvida, diante de um emprego, vai optar pelo que oferece maior gama de benefícios, trabalha sem vínculo com a missão da empresa. Na escola, deseja professores paternais, facilitadores e da escola deseja muitos amigos e muitos eventos, tal como num parque de diversões, e chega a mudar de escola se não tiver muitas interações com amigos e eventos. Não se vincula com o estudo. Nos relacionamentos afetivos procura parceiros com as maiores qualidades para oferecer, o primeiro a riqueza, para ter suas necessidades todas atendidas. Não se vincula com o amor, com seus valores emocionais. Deseja a loteria, torce pelo prêmio que atenda aos seus desejos na totalidade. Não se vincula com o produzir, com o construir.
Situações, pessoas, coisas que atendam às necessidades dos envolvidos sem obter deles a contrapartida de um vinculo, compromisso, comprometimento, disponibilidade, está favorecendo este tipo de criança psicológica, representando os pais psicológicos mal resolvidos. Exemplo: Um náufrago aporta numa ilha com um pé de abacates, durante o período que permanecer nela, come todos os abacates, não tendo o compromisso consigo de plantar as sementes das frutas que comer. A ilha por não cobrar a contribuição do náufrago age como a mãe psicológica.
A partir dos sete anos, a criança interior entra na polaridade masculina, que dá a carga do construir, produzir, vincular-se, comprometer-se com valores pessoais. Dá a sua parcela de contribuição à casa, aos pais, à escola. É o período em que a criança escuta: "Sabe quanto custa isso?".
Se a influencia do lar não for suficiente, a criança psicológica vai estacionar e se identificar com a polaridade feminina. Diante de qualquer compromisso, vínculo, responsabilidade, ela foge espetacularmente, ora de forma rebelde, ora suave e sutil. Se a pessoa portadora desta criança interna não atendeu às oportunidades de educá-la, a Vida se encarregará de fazer o ajuste. Ela enfrentará pelo caminho grandes perdas, quedas, acidentes de toda ordem, doenças, falecimentos, tudo que remeta à dor. A dor pressiona a troca da polaridade fazendo a pessoa reconhecer o valor das coisas e dar a sua contribuição.
E você? Como está sua criança internalizada? Você tem uma fonte que atenda às suas necessidades não tendo, ainda, nenhuma forma de contribuir a favor dela? Então, prepare-se para a perda desta fonte, que fatalmente ocorrerá, mais cedo, ou mais tarde, é só uma questão de tempo.
Silvio Farranha Filho - psicanalista
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