Neste momento de crise, a batalha crucial está sendo travada dentro da própria humanidade.
Por Yuval Noah Harari
Na luta contra os vírus, a humanidade precisa vigiar, rigorosamente, as fronteiras. Mas não as fronteiras entre países, e sim, a fronteira entre o mundo humano e o mundo dos vírus. O planeta Terra está cheio de inumeráveis vírus, e constantemente aparecem e evoluem muitos outros, devido às mutações genéticas. A linha que separa esta "virusfera" do mundo humano se encontra no interior do corpo de todos os seres humanos. Se um vírus perigoso consegue atravessar essa linha em qualquer lugar da Terra, põe toda a espécie humana em perigo.
No último século, a humanidade fortificou essa fronteira como nunca antes. Os sistemas modernos de saúde foram construídos para murar essa fronteira, e os enfermeiros, médicos e cientistas são os guardas que patrulham e repelem os invasores. Entretanto, a fronteira tem grandes trechos que, infelizmente, estão descobertos. Há no mundo centenas de milhões de pessoas que carecem dos cuidados sanitários mais básicos, e isso é um risco para todos. Estamos acostumados a falar dos sistemas de saúde do ponto de vista nacional, mas proporcionar uma saúde melhor aos iranianos e chineses também contribui para proteger israelenses e norte-americanos de uma epidemia. Isto deveria ser evidente para todos, mas infelizmente é algo que escapa, inclusive, a algumas das pessoas mais importantes do mundo.
A humanidade enfrenta hoje uma grave crise, não só devido ao coronavírus, mas também pela falta de confiança entre as pessoas. Para superar uma epidemia, é preciso confiar nos especialistas científicos, os cidadãos precisam confiar nas autoridades, e os países precisam confiar uns nos outros. Nos últimos anos, políticos irresponsáveis solaparam, deliberadamente, a fé na ciência, nas autoridades públicas e na cooperação internacional. Assim, agora, enfrentamos esta crise sem nenhum líder mundial capaz de inspirar, organizar e financiar uma resposta global coordenada.
A xenofobia, o isolamento e a desconfiança são hoje as principais características do sistema internacional. Sem confiança e solidariedade mundial não poderemos deter a epidemia de coronavírus, e, certamente, veremos mais epidemias deste tipo no futuro. Mas cada crise representa, também, uma oportunidade. Confiemos em que a atual ajude a humanidade a ver o grave perigo que a desunião causa.
A história indica que a autêntica proteção se obtém com o intercâmbio de informações científicas confiáveis e a solidariedade mundial. Quando um país sofre uma epidemia, deve estar disposto a compartilhar as informações sobre o surto com sinceridade e sem medo da catástrofe econômica, enquanto que outros países devem poder confiar nessas informações e ajudar a vítima ao invés de repudiá-la. Hoje, a China pode oferecer muitas lições importantes sobre o coronavírus, mas isso exige muita confiança e cooperação.
Essa cooperação internacional é necessária também para que as medidas de quarentena sejam eficazes. As quarentenas e os isolamentos são essenciais para deter as epidemias. Mas, quando os países desconfiam uns de outros e cada um acha que está sozinho, os Governos não se decidem a tomar medidas tão drásticas. Se descobríssemos 100 casos de coronavírus em nosso país, fecharíamos imediatamente cidades e regiões inteiras? Em grande parte, depende do que esperamos de outros países. O fechamento das cidades pode conduzir à crise econômica. Se pensarmos que outros países irão nos ajudar, será mais provável que tomemos uma decisão tão radical. Mas, se acreditarmos que outros países irão nos abandonar, certamente hesitaremos e já será tarde demais quando agirmos.
O mais importante que as pessoas precisam saber sobre as epidemias é, talvez, que a propagação da doença, em qualquer país, põe toda a espécie humana em perigo.
Yuval Noah Harari é historiador e filósofo.
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