O desafio diante de nós é transformar nosso isolamento em uma solidão compartilhada.
Joke Hermsen
E, de repente, iniciamos um longo retiro. Fechamos às nossas costas a porta que dá para a rua e carregamos as sacolas de compras pelas escadas, enchemos a geladeira de comida e ficamos em casa muitas semanas seguidas, separados de nossos amigos, companheiros e familiares. Não foi um retiro escolhido voluntariamente por nós, como longas férias de meditação em algum complexo “zen” de luxo. Nós nos limitamos a obedecer à firme exigência de nossos Governos, que estavam tentando manter a pandemia sob controle.
Lá estávamos nós, em pleno despontar de vida reluzente, cercados pelo anúncio de tantas mortes. Ficamos lá dentro e esperamos, às vezes nos perguntando o que estávamos esperando: o fim do confinamento? A próxima crise? Ou talvez a oportunidade de mudar?
Enquanto esperávamos, descobrimos uma forma de solidão nova e ambivalente. Por um lado, essa solidão se assemelha a um isolamento forçado imposto por um poder invisível, o vírus, que nos atemoriza e nos faz sentir inseguros em relação à nossa vida, porque não sabemos quanto tempo durará, nem como vencer seus perigos. Isso nos assusta, nos preocupa, nos impede de dormir e, o pior de tudo, poderia transformar nossa natureza melancólica em um estado depressivo crônico.
Porque somos seres melancólicos que em algum momento de nossa infância tomamos consciência da passagem do tempo e, com isso, da perda e da transitoriedade. Essa consciência pesa sobre nossos ombros e, ao longo dos anos, aprofunda nossa melancolia.No entanto, por sorte, também sabemos como lidar com essa melancolia e “iluminá-la” com a música, por exemplo, ou com histórias, ou com uma expressão de amor. Em outras palavras, temos de torná-la “criativa” a fim de traduzi-la em “tristeza com um sorriso”, como disse Calvino, e não em depressão.
Nos últimos meses, porém, enfrentamos enormes perdas e cenários aterrorizantes. Tem sido extremamente difícil encontrar alguma esperança. Portanto, existe o perigo de que grande parte da população fique deprimida, o que é um problema de saúde muito grave, sobretudo se combinado com a solidão. Como consequência, não temos escolha, a não ser continuar a buscar novas fontes de esperança e inspiração.
A boa notícia é que no próprio isoladamente, ou no que costumamos chamar de solidão, há alguma esperança. A solidão é um estado em que uma pessoa pode centrar sua atenção no diálogo interior, Mesmo quando estamos “sós com nós mesmos”, somos seres dialéticos porque podemos falar sozinhos, podemos pensar e refletir sobre nossas próprias ações. Se formos capazes de nos concentrarmos nesse diálogo interior, não só descobriremos as possibilidades desse frutífero aspecto da solidão para nós mesmos, como também encontraremos novas conexões com os outros: “Esse diálogo de dois em um não perde o contato com o mundo de meus semelhantes, porque eles estão representados no eu com o qual mantenho o diálogo do pensamento”.
Se o isolamento expressa a dor e o medo de estar (obrigado a estar) só, a solidão expressa a “glória de estar só”, justamente porque revela novas possibilidades de nos conectarmos com nós mesmos e com os outros. Em consequência, o desafio diante de nós é transformar nosso isolamento em uma solidão compartilhada. Como? Pensando, sonhando, lendo, escrevendo e apresentando nossos pensamentos aos demais, como eu lhes estou apresentando os meus. Este intercâmbio é a única coisa que pode proporcionar um contrapeso suficiente à nossa melancolia e nos impedir de cair em depressão. Em todo o mundo, compartilhamos os mesmos medos e as mesmas ameaças, mas também a mesma esperança: de ser capazes de recomeçar depois do coronavírus, e nos comportar e agir de uma maneira muito mais responsável e solidária.
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Joke J. Hermsen é doutora em Filosofia. Também é autora de ‘Melancholie’ (Não lançado no Brasil).
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