Ensinanças: Vida Interior
Muitas vezes se ouve dizer que há que voltar à
vida interior. Porém, o que é vida interior na realidade? Por que há que voltar?
Também se explica que o mal do homem consiste num contínuo voltar-se para o
exterior, que se procurasse no interior, encontraria a solução de todos os
problemas.
Em que consiste essa busca e como
realizá-la? São muitas as almas ansiosas de vida interior, mas não sabem o que
fazer para alcançá-la e, quando olham para dentro, encontram-se desconcertadas e
às escuras. Todos podem chegar à plenitude da vida interior, porém há almas e
almas, estados e estados.
Alguns creem que a vida interior é pensar muito,
investigar seus problemas, volver continuamente sobre si. Outros buscam a vida
interior com um esforço concentrado da vontade na realização de seus propósitos.
É bom pensar e meditar sobre as necessidades da alma, mas isso não é vida
interior. Se vida interior não significa pensar ou autoanalisar-se, poder-se-ia
crer que é a prática contínua de exercícios de meditação ou oração. Estes são
atos do ser que ajudam, mas que não são vida interior.
Vida interior é uma atitude vital, total, do
indivíduo. Vida interior é principalmente inverter o movimento habitual da alma.
Não uma ação dirigida para dentro e sim uma elevação dos valores espirituais
sobre os valores humanos. Ao falar aqui de valorização do espiritual, não se
entende como uma atitude mental, mas como um novo sentido dado à existência, ao
situá-la dentro de seus termos transcendentes. Isto faz com que se desloquem
naturalmente os centros naturais de interesse para um objetivo único e divino e
que as forças da alma deixem de dispersar-se em gastos inúteis para
concentrar-se numa ação única, espiritual.
A vida interior não é então somente um movimento ativo
da alma, mas uma disposição espiritual habitual que transforma os atos
desconexos e desordenados do homem na sua verdadeira vida, em vida espiritual.
Quando se diz que é necessário ‘voltar’ à vida interior, causa a impressão de
que esta é um bem que se possuiu um dia e que não mais o temos. Se se diz que há
que voltar é porque sempre há na alma um saber obscuro e indefinido de ter em
si, desde sempre, o bem que busca com tanta dor e que lhe dará felicidade. É
como uma consciência profunda de ser. Um saber que toda conquista só será um
redescobrimento.
Nesse saber está a segurança infusa e inquebrantável
de que se chegará ao fim, que se cumprirá o destino eterno.Para que a vida
interior seja possível não é suficiente a fé na vida espiritual ou aceitar o
pensamento de que os valores humanos são vãos e passageiros. Indubitavelmente
uma fé ampla aumenta as possibilidades do homem. Mas uma coisa é o pensamento
aceito pelas pessoas e outra muito diferente a realidade viva da alma. A vida
pode estar regida por tendências completamente opostas às ideias que se crê ter.
A tragédia do homem consiste em que ele é algo muito diferente do que acredita
ser e seus pensamentos e ideias estão continuamente desvirtuados por seus atos e
tendências. Por isso, o principal esforço na vida espiritual consiste em
conseguir uma unidade entre mente e mente. E entre mente e coração. Não é então
a perfeição da vida interior uma concentração ativa. Consiste numa expansão
anímica, num ato simples do Espírito.
Vida interior é autoconsciência progressiva e
expansiva. É o novo mundo que o homem tem que descobrir e conquistar. Para isso,
é necessário que conheça os meios de que dispõe para consegui-lo. Primeiro, há
que saber o que é o bom. Depois, deve-se viver de acordo com isso para
transformar-se, por fim, no próprio bem. Viver centrado em si, não fora de si ou
dentro de si. O pensamento que se derrama pessoalmente sobre si, afasta o ser de
seu centro divino. Só a Renúncia fixa a alma na vida interior pura e simples.
Quando só o espiritual conta, o humano se localiza e a vida ilusória se faz
vida, vida interior. Só a vida interior dá a experiência da Ensinança e dos
mistérios divinos. Todos os problemas perdem importância para permanecerem vivos
só os problemas fundamentais. Desde um ponto de vista místico, o grau de vida
interior está dado pela profundidade do recolhimento adquirido ou também, pela
claridade habitual do controle e da autoconsciência.
Por: Santiago Bovisio - 1904-1962.
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