O Poder do Círculo de Mulheres
por Heloísa Monteiro de Moura Esteves
Em um determinado momento de minha trajetória, comecei a perceber a poderosa energia que se forma quando um grupo de mulheres se senta em círculo. Participei, nos últimos anos, na minha frenética busca das respostas aos desafios que se me apresentavam, de muitas vivências em que os participantes -na maioria das vezes exclusivamente mulheres- se sentavam em círculos, no chão, formando uma verdadeira roda de cura. Aos poucos, pude observar quão poderosa é a energia manipulada quando se trabalha nesta formação. No círculo não há hierarquia, todos são iguais. O fluxo da energia fica livre, flui com estranha leveza, impregnando todos os integrantes. O círculo lembra o sol e também a lua. Lembra os seios, as curvas do corpo da mulher, o redondo feminino, as parábolas. O círculo nos remete à nossa ancestralidade, trazendo a lembrança dos povos primitivos, dos índios, dos xamãs. O círculo nos tira do tempo linear, cartesiano e nos envolve nas curvas dos mantos, nos remete às entrelinhas, nos abre possibilidades, nos desvela e nos revela segredos. O círculo é mágico, nos evoca recordações da infância, ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar, vamos dar a meia-volta, volta e meia vamos dar... Oh! Eu entrei na roda, oh! Eu entrei na contradança, eu não sei como se dança, eu não sei dançar...
Certo dia, Magui, amiga querida que vive na Serra da Moeda (MG) e que conduziu várias rodas de cura das quais participei, me falou sobre o livro "O Milionésimo Círculo", de Jean Shinoda. Saí de sua casa com um exemplar emprestado e, em algumas horas, encantada, terminei a leitura. Quando, algum tempo depois, comecei a me permitir sair do tempo cartesiano, linear, construído pelo patriarcado que vem dominando o mundo de maneira doentia e decidi abrir um espaço para, ao lado de minha carreira na área jurídica, desenvolver um trabalho transformador com mulheres, tive certeza de que deveria estar conectada com a energia dos círculos de mulheres espalhados pelo mundo, cujo poder de transformação fora tão bem acentuado pela psicanalista. De fato, Shinoda nos conclama a acreditar na força criada pela união de vários grupos formados por mulheres, necessária para trazer uma nova consciência para as pessoas do terceiro milênio.
A autora faz suas ponderações a partir da história de "O Centésimo Macaco". Há cerca de 30 anos, cientistas observavam macacos em ilhas do Japão. A ideia era atraí-los com batata doce para que descessem das árvores e pudessem ser analisados. Um dia, uma macaca resolveu lavar o alimento no mar antes de comê-lo. Como a experiência foi bem sucedida, ela ensinou aos outros como fazer. E a prática foi se difundindo até que todos os macacos daquela ilha passaram a lavar suas batatas antes de comê-las. Os cientistas observaram que, depois de algum tempo, todos os macacos das ilhas do Japão adotaram o hábito, ainda que não houvesse nenhuma comunicação entre as colônias. A alegoria escrita por Ken Keynes Jr. e baseada na Teoria do Campo Mórfico, comprova que quando um comportamento atinge seu número crítico, ele se torna um padrão para a espécie. Assim como funcionou com os macacos, nossa cultura pode mudar com a existência de um centésimo macaco. É a partir daí que Shinoda discorre sobre o tema, acentuando o potencial das mulheres (e homens interessados) em mudar nosso rumo ao criar um novo padrão para uma era pós-patriarcal. As chaves da transformação seriam os Círculos de Mulheres, encontros que fazem emergir a sabedoria coletiva de que precisamos agora, para que haja uma integração entre o yin -que evoca a conexão com o sagrado feminino e a deusa- e o yang (masculino) que tem dominado e desequilibrado as relações no patriarcado. De círculo em círculo, alcançaríamos um número específico (o milionésimo círculo) responsável pela mudança de padrão. Para o patriarcado mudar, precisamos unir essa sabedoria, materializada no Círculo de Mulheres.
Desde 2007, venho reunindo mulheres em círculos, em 2010, fiz a inscrição desta atividade no site do Milionésimo Círculo, que congrega ações semelhantes que acontecem em todos os lugares do mundo. Afinal, não sabemos ao certo quando teremos mil círculos de cura, por isso é preciso registrar naquele espaço cada novo círculo que se forma, inspirado no desejo de mudar as consciências, através de uma silenciosa revolução das mulheres, contaminando todo o planeta. Meu trabalho acontece gradativamente. As mulheres vão chegando para os encontros, sentam-se em círculo no chão, formando uma linda ciranda. No centro da roda, são colocadas flores, vela, frutas, incenso, a imagem de Nossa Senhora ou de alguma santa ou deusa pagã. No círculo, resgatam a cumplicidade perdida, choram e se emocionam, falam de suas dores e de seus medos, dão risadas, contam seus sonhos; às vezes parecem meninas, fazendo seus desenhos e guirlandas de maneira divertida e lúdica. Entendem que estão num espaço sagrado, onde não existe censura e nem crítica. A energia de acolhimento acessada em cada encontro permanece com as participantes e é frequente o relato de várias terem sentido a presença do circulo sagrado ao longo do mês. Mirella Faur, precursora neste trabalho com mulheres no Brasil, adverte que o poder criado por um grupo de mulheres meditando é maior do que a soma das energias individuais, devido à ressonância criada dentro de um círculo pela visualização de uma única imagem ou intenção. Não é de causar espanto, assim, que as participantes dos círculos consigam permanecer com a energia acessada no último encontro, sem se encontrarem no plano físico.
A força do círculo surpreende quem dele participa. Ele tem o condão de acolher, para fazer uma grande alquimia e permitir que suas integrantes possam alçar voos com segurança e sabedoria... Com efeito, a mesma terapeuta ressalta que o círculo é o mais antigo e sagrado símbolo. Vários mitos da cosmogênese mencionam o útero primordial, o ovo cósmico, o ventre da Terra, a roda sagrada. Shinoda observa que o círculo é um princípio e também uma forma. Ele age contra a ordem social, a compartimentação superior/inferior, a hierarquia que compara uma mulher às outras. Oriento as mulheres que tem participado dos círculos a visualizarem um fogo sagrado no centro da roda, fixando o olhar neste ponto. Tudo o que precisa ser transmutado deve ser enviado para este fogo sagrado, a fim de que a alquimia aconteça, as chamas do fogo cresçam e emitam energia renovada e de força para as participantes do encontro. Vejo o círculo como um grande caldeirão alquímico, capaz de reunir e reciclar energias, fazendo limpezas e fortalecendo cada integrante. A conexão com o centro é sentida intuitivamente, de maneira subjetiva. A sensação experimentada por pertencer a um círculo de mulheres é reconfortante, acolhedora e ao mesmo tempo, de muita força. Que o círculo, presente no início da vida na Terra, na natureza e no corpo feminino, possa atuar como instrumento de cura, ajudando a movimentar e a ancorar a energia necessária ao grande salto que se anseia nos novos tempos.
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