Tudo está conectado: como a crise climática já atinge a nossa saúde (4)
A tríplice monotonia do sistema agroalimentar
"A dieta planetária, programa alimentar que leva em conta a saúde do ambiente"
A obra destaca que o sistema vigente padece de uma tríplice monotonia. A primeira se refere à produção vegetal, muito focada na monocultura de grãos como a soja, o que exige maior uso de fertilizantes e pesticidas e altera solo, água e biodiversidade locais, incluindo a perda de insetos polinizadores — algo que, indiretamente, está relacionado a meio m a meio milhão de mortes humanas por ano, segundo uma pesquisa.
É que a produção de frutas, legumes e verduras depende desses insetos. Mas não a de soja, milho, trigo… Plantados, aliás, para sustentar a segunda dimensão da monotonia: a da pecuária. “Você tem milhares de vacas, frangos e porcos aglomerados. Um ambiente não só de sofrimento, mas que facilita a transmissão de doenças e intensifica o uso de antibióticos, com repercussões também na saúde humana”, descreve Favareto.
Conhecemos essa história. O vírus da gripe espanhola de 1918 pode ter emergido de uma criação de porcos O patógeno da gripe suína de 2009 também.
E, em 2025, vaga a ameaça do influenza H5N1, por trás da gripe aviária, que já circula entre vacas americanas e em diversos mamíferos. Basta uma mutação e um pulo entre espécies para a zoonose virar epidemia — algo que vivenciamos com a covid.
Por isso se fala hoje em saúde única, um conceito que está sob o guarda-chuva da saúde planetária, mas é mais focado no estudo de doenças que se originam em animais e chegam à nossa espécie — 70% das infecções emergentes seguem essa rota. “O aumento das doenças zoonóticas têm a ver com a perda de biodiversidade e com a perturbação imposta pelos humanos nos ambientes silvestres”, crava a virologista crava a virologista Helena Lage, também professora da USP.
Uma transição alimentar é possível
A terceira monotonia citada no novo livro dos cientistas brasileiros, e a que diz mais respeito diretamente a nós, é a da alimentação. Ora, boa parte da dieta global é composta de ultraprocessados, em detrimento de alimentos frescos e naturais. No Brasil, ao menos 20% do cardápio é preenchido por comida industrializada e cheia de aditivos. Em outras nações, esse índice passa dos 50%.
O problema é que esse mesmo padrão alimentar é aquele associado a mais doenças crônicas, como obesidade, diabetes e demência.
“Se há um número restrito de fontes de comida baseado em um modelo padronizado de produção global, perdemos diversidade, inclusive em termos nutricionais”, avisa Marcos Borba, chefe de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa Pecuária Sul.
Não à toa, cientistas acabam de apresentar um manifesto baseado em evidências sobre a necessidade de divulgar e adotar a dieta planetária, programa alimentar que leva em conta a saúde do ambiente.
Outra saída para esse modelo é apostar em iniciativas que promovem o cultivo local e a agricultura regenerativa. Mais comida de qualidade, preservadas, mais contato com a natureza, menos substâncias químicas contaminando as águas e o ar…
Não é conversa de bicho-grilo, não. “Durante muito tempo, pensou-se que uma transição alimentar seria inviável economicamente, mas hoje sabemos que é justamente o contrário: que o modelo de hoje só se sustenta porque seus altos custos são transferidos de maneira oculta para a sociedade”, expõe Favareto.
Isso ocorre na forma de subsídios para diferentes elos do meio produtor, no forte poder político que o dinheiro traz, no negacionismo climático que espalha desinformação e desafia consensos… No fim, todo mundo paga essa conta.
***************
https://saude.abril.com.br/ecossistema/crise-climatica-e-saude-planetaria/
Comentários