A Neutralidade
A Neutralidade
por Mauro Kwitko
A Neutralidade é um estado especial, interior, ao mesmo tempo, que nos conduz ao Divino dentro de nós, é o próprio Divino dentro de nós. A Neutralidade é um estado no qual não atuamos mais sob o controle do nosso Ego, em que estamos libertos desse aspecto da nossa individualidade, que, na verdade, é a nossa própria individualidade. Do mesmo modo em que essa individualidade é a responsável pela nossa sobrevivência nessa Terra, pela nossa preservação enquanto ser vivo, é um fator obstaculizante ao acesso que o Divino pretende ter sobre nós.
Explicando melhor: a Neutralidade é um estado em que conseguimos domesticar nosso Ego, em que não pensamos mais através dele, e sim, através do nosso Eu Superior. É muito diferente o pensamento que vem do nosso Ego do pensamento que vem do nosso Eu Superior. Enquanto o nosso Ego pensa em “eu” e “meu”, o nosso Eu Superior pensa em “nós” e “nosso”; enquanto o nosso Ego vive para seus interesses, o nosso Eu Superior vive para o interesse comum; enquanto o nosso Ego apenas pensa em sobreviver, em ter, em alcançar metas e objetivos, que o reforcem ainda mais, o nosso Eu Superior quer o oposto, quer diluir-se no Todo.
É através da Neutralidade que nós podemos alcançar a paz que leva ao sucesso dessa caminhada, à meta original de nossa estadia aqui, que é retornarmos à Casa do Pai, em sermos o filho pródigo que, após um intenso sofrimento, volta triunfante e é recebido por Ele. Apenas a paz interior absoluta pode oportunizar o retorno à Paz Divinal. O pensamento cotidiano, atributo do nosso Ego, nos prende às coisas da Terra, aos desejos, aos anseios por tudo que cativa e inebria o Ego, mas, que na verdade, são as mesmas coisas que o prendem nas teias da ilusão e o tornam cativo numa prisão criada, mantida e, pior, almejada e vista como algo a manter. O nosso Eu Superior, que é Deus em nós, almeja o contrário, deseja não desejar, quer não querer, nenhuma vitória terrena o cativa, apenas aguarda, pacientemente, que o Ego do seu senhorzinho faça esse filho sofrer tanto, lutar tanto, ansiar tanto e, quando alcançar, ainda assim não sentir paz e felicidade, que, um dia, cansado e desiludido, exausto de tanto querer, de tanto lutar, de tanto alcançar, descubra o que, lá no fundo, sempre soube: o caminho era para o outro lado.
O caminho para a paz é justamente não querer, não lutar, não almejar, não desejar metas e conquistas, postos e recompensas, sucessos e homenagens, e sim, despojar-se de si, de tudo, mas para isso é necessário uma mudança radical em nossa postura: ao invés de manter a individualidade, diluir-se em tudo e todos; ao invés de pretender adquirir, optar pelo contrário, não ter; ao invés de desejar alcançar, fazer o contrário, não querer alcançar nada, apenas procurar dentro de si, lá no alto do seu interior, o caminho que leva para o nosso Deus interior. E o que encontramos lá? A quietude, o não-anseio.
A Neutralidade é não se envolver com o que não é de sua conta, é não opinar sobre algo que não é seu, não dar palpite sobre alguém a não ser que esse lhe peça uma opinião, é não julgar, não criticar, não se impacientar, não se irritar, não se magoar, não se sentir rejeitado, não se sentir abandonado, não querer ser mais do que os outros, e nem menos, não querer adquirir bens materiais a mais do que realmente necessite para ter uma vida boa, segura e confortável, é não apregoar suas qualidades e conhecimentos, sua erudição e aprendizados, é não querer convencer ninguém, não estabelecer debates e discussões a respeito de nada, mas também não se calar quando é convidado a opinar, não se abster quando é convidado a dar a sua opinião, não querer se sobressair e nem desejar se esconder, não querer estar lá na frente mas também não se colocar lá atrás.
A Neutralidade é nem escrever livros sobre Ela, pois aí já não se está Nela, mas como eu ainda não a alcancei, ainda sinto esse anseio de falar sobre isso, de repartir com as pessoas o que penso, o que sinto, em que eu acredito, mesmo sabendo que aí estou demonstrando uma contradição: escrever sobre não querer, querendo. Estar aqui, nesse momento, escrevendo sobre a Neutralidade, já é, em si, um ato de não-Neutralidade, mas o meu Ego ainda necessita disso, ele ainda é desobediente e tagarela, mas já foi pior... Talvez o caminho para a Neutralidade seja, inicialmente, conhecer seu Ego, saber como ele é, o que ele quer, o que necessita, o que deseja, que caminho está trilhando; depois, aos poucos, gradativamente, ir entendendo suas necessidades, suas carências, seus desejos e percebendo onde isso vai dar, onde vai chegar, a lugar nenhum. E, então, ir procurando dentro de si, onde está seu Deus interior, onde se encontra a Paz, onde pode acessar a Serenidade.
Quando se diz que fomos feitos à imagem e semelhança de Deus, isso significa que somos feitos de Luz, que não tínhamos Ego, que não éramos seres individuais, que não queríamos nada, pois não havia nada para querer, não almejávamos nada a não ser estarmos diluídos naquele Todo, nem sabíamos que poderíamos, um dia, sair daquele Todo, como uma gota de água do mar não consegue imaginar que poderia sair do mar e ir para a terra viver uma vida independente, um grão de areia do deserto imaginar que poderia sair do deserto e ser um ser individualizado, em algum outro lugar...
Pois foi isso o que aconteceu conosco, éramos uma parte do Todo e, um dia, esse Todo, que éramos nós também nele, sem sermos, decidiu que partes suas, que nem eram partes, tornar-se-iam fragmentos de Si em outro lugar, sem que, na verdade, fossem fragmentos e nem seria outro lugar. Os fragmentos do Todo continuam sento o Todo e o “outro lugar” continua sendo o Único lugar, mas iniciou-se a ilusão.
Por que o Todo resolveu que isso aconteceria? Qual a finalidade disso? Por que “sair” da Verdade, cair na ilusão para, um dia, retornar para a Verdade? A resposta, acredito, só pode estar dentro de nós, quando alcançarmos a Neutralidade. E enquanto aqui escrevo, sinto que isso me faz afastar cada vez mais Dela, quanto mais eu escrevo a respeito da Neutralidade, mais me afasto dela. Então vou parar.
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