É preciso dizer mais ‘conte-me’, ‘perdoe-me’ e ‘te amo’
Luis Rojas
O veterano psiquiatra Luis Rojas Marcos revela que fala muito sozinho e recomenda que seu exemplo seja seguido em nome da lucidez.
Pergunta. Se “somos como falamos”, como é o senhor, doutor?
Resposta. Falador. Falo muito comigo mesmo, às vezes em voz alta, às vezes em voz baixa, mas isso ajuda a me administrar, a me encorajar, a me estabelecer limites. Falar comigo mesmo é fundamental no meu dia a dia. Todos nós deveríamos falar mais sozinhos.
P. Isso não era coisa de loucos?
R. Esse é o problema. Foi estigmatizado. As crianças, desde os 2 ou 3 anos, falam consigo mesmas, se encorajam, se aconchegam, se consolam. Depois isso nos dá vergonha, porque a pessoa que fala sozinha é identificada com o doente que ouve vozes. Nós nos reprimimos e é um grande erro. Assim como nos ensinam a falar e a pedir as coisas "por favor", deveriam nos ensinar a falarmos com nós mesmos.
P. Hoje se vê muita gente falando sozinha, mas no celular.
R. Se estão falando com alguém, tudo bem. A coisa ruim da tecnologia é quando ela interfere na sua capacidade de falar consigo mesmo, ou de conversar com os outros, ou de ter relações reais: é um problema muito sério.
P. As mulheres falam mais ou é uma farpa dos homens?
R. A maioria dos estudos mostra que as mulheres falam em média 15.000 palavras mais que os homens. Porque elas têm a parte do cérebro que controla a linguagem mais desenvolvida. E porque os pais falam mais com as filhas do que com os filhos, especialmente sobre questões emocionais. Estou convencido de que as mulheres vivem mais porque falam mais. E as espanholas, ainda mais.
P. Mas nos dizem que caladas somos mais bonitas. Quando é preciso morder a língua?
R. Quando vamos cometer um deslize. Quando sabemos que o que diremos vai criar um conflito ou ferir alguém, é melhor se calar.
P. Vale a pena insultar?
R. Não. O insulto ataca a autoestima, a identidade e o valor da pessoa. Não acrescenta nada. As palavras não são levadas pelo vento.
P. O senhor escuta tristezas há meio século. São sempre as mesmas?
R. O que acontece conosco, o que escuto em consulta é basicamente o mesmo: medo, tristeza, angústia ou necessidade de que nos orientem em um momento da vida.
P. E temos remédio?
R. Muitos, para começar, falar, contar o que acontece conosco. Falar é fundamental para entender o que acontece conosco e pedir ajuda.
P. Que palavras estão em sua caixa de primeiros socorros?
R. Para mim, a palavra mais importante, profissional e pessoalmente, é “conte-me”, mas, para isso, você precisa estar disposto a escutar, e isso nem sempre acontece. Outra é “perdoe-me”: pedir perdão é fundamental, porque sem perdão não há futuro na vida.
P. E se você não perdoar?
R. Você adoece. O perdão é fundamental para sobreviver. Para se reinventar. A vítima perpétua é uma pessoa muito limitada por sua ferida aberta. O luto não pode se eternizar. Passar mais de três anos como vítima não é saudável. Te fecha no papel de traumatizado. Evita abrir outro capítulo de sua vida com expectativa, esperança e criatividade.
P. A dor atinge todos nós?
R. Sem exceção. Perdas, traumas, divórcios. Segundo os epidemiologistas, cada pessoa tem duas adversidades graves na vida. Algumas têm quatro; outras, uma. Mas os momentos ruins chegam a todos nós.
P. Na questão das palavras mágicas, o senhor se esqueceu do “te amo”.
R. Dizer “te amo” é fantástico, especialmente se for verdade e você tiver alguém para dizer isso. Nós dizemos isso, mas dizemos por dentro. E é bom verbalizá-lo. Mas não somente ao outro, mas a nós mesmos. Dizer a você: “olha, Luis, eu te amo muito” é muito útil, sei que isso não nos é ensinado quando crianças, mas eu recomendo.
P. Ou seja, o senhor ama a si mesmo.
R. Sim. Muito, aliás.
Obrigado.
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MEIO SÉCULO DE ESCUTA - Luis Rojas Marcos (Sevilha)
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