Desisti do caminho, mas não de caminhar.
Por Renato Essenfelder
A maior parte das pessoas que eu conheço sofre desse estranho mal que é a síndrome do controle absoluto.
Esforçar-se ao máximo, física e psicologicamente, para manter tudo no devido lugar: sob controle. Como se o mundo ou qualquer sujeito pudesse realmente ser perfeito, sem defeitos.
Na verdade, não sei se isso é a moléstia em si ou apenas sintoma de outra coisa.
Que coisa será essa?
Tenho dificuldade de abarcar o tema inteiramente. Compreendo a necessidade de segurança. É um conforto saber que amanhã ainda estaremos vivos, com saúde, teto e comida. Saber que ainda seremos amados pelos amores, queridos pelos amigos, respeitados pelos respeitáveis.
Em linhas gerais, tudo bem. É uma preocupação que às vezes eu vejo com o canto dos olhos, que passa pela minha vida rapidamente, quase imperceptível, como sombra e calafrio.
Para outros, contudo, parece que ela para bem diante dos olhos. E congela. O vento vira pedra, o calafrio se torna montanha: pedra que bloqueia a visão e atormenta a passagem.
Hoje acendi uma vela ao acaso.
Eventualmente, tornei-me fã daquele calafrio suave, o descontrole instantâneo das coisas que são como são. Foi um processo. Começamos com o pé esquerdo, nos tempos em que eu fazia planos. Nos tempos em que eu fazia planos, não havia espaço para o acaso.
Com o tempo, porém, como quem experimenta roupas devagar, despretensiosamente, eu deixei que a pele do acaso cobrisse a minha própria pele.
Desde então, nunca mais a tirei.
Foi assim: meus grandes planos davam de novo em nada. Eu era muito jovem e buscava não um mapa, mas um caminho. Já havia recorrido a tarólogos, astrólogos e mestres do i-ching. Queria que me apontassem, os sábios, uma direção a seguir.
Os sábios, talvez mais sábios do que eu, mas muito menos sábios do que a vida, apontavam, conforme solicitados, um caminho. Mas sempre algo, ou alguém, sobretudo alguém, arrancava-me daquele caminho. (Se você estiver aberto a algo ou alguém, fatalmente sairá do caminho.)
Finalmente, desisti dos caminhos. É isso, crescer? Foi estranho andar por aí vestindo apenas o casaco do acaso e nada mais, mas me acostumei.
Quando consulto os sábios e seus oráculos, hoje – mais sábios do que eu, mas menos sábios do que a vida –, converso sobre todas as coisas e saio pela mesma porta por onde entrei. Não levo livros nem mapas. Fico leve para dar risada.
Desisti do caminho, mas não de caminhar.
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