A busca insana por fazer o tempo voltar atrás, na tentativa violenta de reprimir as manifestações do novo.
Por Helena Singer
Já faz algum tempo que sentimos a profunda conexão entre as urgências, potencialidades e destinos das diversas comunidades, povos e nações, a interdependência de todos os sistemas vivos do planeta.
As revoluções tecnológicas da microinformática, da inteligência artificial e da engenharia genética afetam todas as dimensões de nossa vida.
A pandemia provocada pelo Coronavírus, o consequente distanciamento físico imposto, pela maior parte dos países, a bilhões de pessoas e a corrida mundial pelos testes, vacinas e suprimentos hospitalares só evidenciam, dramaticamente, esta aceleração, interconexão e multidimensionalidade.
Sabíamos, sentíamos e nos afetávamos, mas muitos, talvez até a maioria, negavam-se a reconhecer essa nova realidade, transformar seus modos de vida, assumir sua potência e responsabilidade pela construção de um mundo melhor. Esta negação em alguns grupos sociais se manifesta na busca insana por fazer o tempo voltar atrás, na tentativa violenta de reprimir as manifestações do novo. Em outros, a negação se manifesta no sentimento de impotência, na recusa em perceber que a revolução tecnológica também amplia dramaticamente a capacidade de cada um de nós produzir o novo mundo.
Esse sentimento de negação e recusa continua presente, nestes dias, em que a maior parte da população mundial se trancou em suas casas. Manifesta-se quando projetamos a volta à vida normal, quando vivemos o presente como se fosse um momento passageiro, um momento em suspenso.
Não, a vida não voltará a ser como antes porque ela nunca volta, a história não retrocede, o tempo nunca fica em suspenso. O que importa agora é saber que "o depois" poderá ser o mundo de acirrada desigualdade, degradação socioambiental e totalitarismo de base racista e machista, caso vença o medo e a maioria se mantenha na imobilidade. Ou poderá ser o mundo em que assumimos nossa parte na construção do bem comum, caso vença a empatia, a solidariedade.
A vida não voltará a ser como antes
É por isso que o momento atual, o do distanciamento físico, é o da urgência. Não é um tempo para nos recolhermos, nos isolarmos, para esquecermos a política. Há quem diga que temos que reconhecer o profundo impacto emocional da pandemia em cada um de nós e nos concentrarmos no nosso bem-estar. Sem dúvida, cuidar do nosso bem-estar é fundamental, tanto quanto sempre foi e talvez antes não nos déssemos conta disso. Mas nosso bem-estar, nosso autocuidado, não é dissociado do bem-estar do outro, do cuidar do outro, do cuidar do planeta. Quem se dedica a mudar sua comunidade, seu território, seu país, seu mundo conhece o efeito psicoprofilático dessa atitude.
Talvez essa fase marcada pela pandemia seja aquela em que o mundo que desaba, aquele marcado pelas hierarquias, burocracias, centralizações, departamentos, fronteiras e simplificações finalmente escute o que dizem os que há bastante tempo já estão engajados na construção do outro mundo possível. Escute os que reconhecem a complexidade dos problemas atuais, não para se conformar com a impotência, mas para criar estratégias, plataformas e sistemas de colaboração que possibilitem a construção do bem comum.
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